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Do debate ao falatório fútil, em busca da visibilidade


Em 2009, tive a oportunidade de entrevistar o sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Famoso pelo conjunto da sua obra que aborda as transformações da sociedade capitalista pós Guerra Fria, chamava a atenção o tom ácido no qual ele desmontava as aparências de um mundo aparentemente hedonista, com múltiplas possibilidades de ser, das conexões tecnológicas.

A fluidez levava ao desmantelamento dos projetos, do planejamento e das estruturas de mediação gerando o que ele chama de uma sociedade de caçadores e não de jardineiros. Impactado com esta formulação, questionei-o se é possível existir uma utopia em uma sociedade da presentificação, do aqui agora. Ele respondeu que parece ser difícil pensar em utopia em uma sociedade assim, mas é possível uma utopia iconoclasta, não baseada em projetos acabados, mas sendo construída dentro de uma perspectiva radicalmente critica.

A mesma revista Cult que me contratou para fazer esta entrevista foi o espaço onde durante o ano de 2018 publiquei vários artigos sobre dilemas do mundo contemporâneo, em especial a crise das mediações jornalísticas e as singularidades de uma sociedade que caracterizo como da “inflação de informações”. Embora ainda não tenha desenvolvido este conceito de forma mais aprofundada, minha primeira inferência é que a inflação de informações causa a sua desvalorização.

Combinado com a fluidez das sociabilidades de que fala Bauman e o esvaziamento das instancias clássicas de mediação política, a inflação de informação não leva a uma situação de ruído apenas (como as clássicas teorias da informação concluiriam) mas a uma ansiedade intensa e o refugio nas bolhas informativas. Tudo isto combinado gera a crise na instituição clássica da modernidade de mediação informativa que é o jornalismo. O jornalismo perdeu o monopólio da produção e disseminação da informação, o jornalismo teve a legitimidade da veracidade da informação contestada, o jornalismo vive uma situação em que dialoga com uma outra instancia de mediação que também perdeu força que é a esfera pública política.

Com tudo isto, as disputas e conflitos se perdem e se esvaem em um falatório e jogo de tiros a esmo. Visibilidade e poder se transformam em um mesmo lugar, deslocando os conflitos de afirmação étnica e de gênero para uma pauta em prol da representação midiática da diversidade. Assim, as representações de grupos subalternizados ou minorizados passam a ser aqueles que expressam marcas de pertencimento nos espaços de visibilidade da indústria cultural, independente dos discursos que eventualmente pratiquem. A ponto de uma mulher de ascendência negra que é noiva de um príncipe do Reino Unido se transformar em objeto de discussão de representatividade étnica, apesar do papel histórico de opressão dos povos africanos praticados pela Coroa britânica.

Na disputa da visibilidade/poder em uma sociedade em que todos falam e poucos ouvem de fato, emerge um arquétipo de repórter como Jayson Blair que atropela todos os cânones do jornalismo presentes nas lendárias figuras dos repórteres do Washington Post no caso Watergate. A condenação de Blair foi equivalente a um coma induzida ao jornalismo, instituição que agoniza ante a crise do arranjo institucional da democracia liberal. Mas talvez este momento difícil nos faça relembrar novamente Bauman que, nesta mesma entrevista, disse que vivíamos em um momento de “interregno”, quando uma forma de sociedade demonstrou os seus limites e está decadente, mas ainda não se constituiu uma alternativa. Se isto causa certa angústia, é também um desafio para nossas mentes pensar criticamente estes momentos e contribuir para a construção da utopia iconoclasta, provocação do nosso mestre polonês

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