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Sobre o documentário AMARELO - É TUDO PARA ONTEM, do Emicida

Atualizado: 9 de jun. de 2021

Amarelo é um tremendo documentário. A máxima que Exú atirou uma pedra hoje para atingir um pássaro ontem é a exata dimensão do que é lutar contra o racismo estrutural. O problema é que muita gente atira pedra para resolver problemas atuais como se fossem coisas do tempo de hoje. Normal quando se depara com o preconceito racial que esta ideia venha à tona: uma pessoa que te maltrata em lugar publico, que te desrespeita e até te agride violentamente - a primeira reação é considerar que é com você e um ato daquela pessoa. O problema é quando se reflete sobre a singularidade do fato se prendendo apenas a sua singularidade - é o que o pensador Adelmo Genro Filho chama de armadilha da espetacularização do fato na narrativa jornalística. Em uma sociedade midiatizada em que o cotidiano se transforma em um cenário de espetáculo midiático, isto se transforma em prática narrativa comum em parte significativa do ativismo antirracista.

Mas Emicida rompe com isto ao tratar as relações raciais no Brasil e, em especial em São Paulo, recorrendo à história, este campo do conhecimento tão esquecido nestes tempos de midiatização onde se considera que o mundo começou para cada pessoa quando ela nasceu (e daí se absolutiza as experiências pessoais em detrimento das suas transcendências pelo conhecimento) e tudo vira "guerra de narrativas".

Plantar, regar e colher são as três partes do seu documentário. E a semente, a tradição, a origem é o samba - ou o "Brasil que deu certo" como diz Emicida em determinada parte. O samba como existência/resistência de negras e negros desde a abolição inconclusa de 13 de maio de 1888 e que recupera as experiências da quilombagem como fala Clóvis Moura.

Uma semente que gerou raízes fortes o suficiente não só para resistir mas para existir - enfrentando toda a sorte de invisibilização, subalternização e criminalização - dentro do universo da cultura, como "colere" (cultivar). Enfrentando as forças do branqueamento da Semana de Arte Moderna por meio de negratitudes de Mário de Andrade, da arte erudita, com o Teatro Experimental do Negro de Abdias do Nascimento e da bossa nova, com o preto Johny Alf.

A periferia da cidade de São Paulo para onde negras e negros foram deslocados forçadamente pelas políticas urbanas gentrificadoras recebe mais tarde os milhares de migrantes nordestinos que vieram para cá em busca de uma vida melhor. Luta por qualidade de vida, denúncia da violência e luta contra o racismo se expressa no grito da periferia do movimento hip-hop muito mais que uma mera cópia da experiência estadunidense como alguns incorretamente falam. Negros estadunidenses que deveriam aprender com a grande intelectual negra Lélia Gonzales, segundo Angela Davis. E em uma subversão da antropofagia de Oswald de Andrade, absorve as lutas feministas, de classe, da população LGBT. Afinal, na escola de samba todos são bem vindos desde que não atravessem o samba.

Na concepção preta de tempo há um continuum em que os processos históricos constróem as condições objetivas para a gente atuar - ou fazer histórica como diria Marx. Atirar a pedra hoje para mudar ontem é uma ação revolucionária, pois significa mudar as condições nas quais atuamos. Quem fica preso a dimensão da experiencia pessoal, vai atirar pedra contra uma rocha já solidificada. Pode até conquistar likes ou lacrar no mundo midiático das batalhas das narrativas mas vai mudar pouco. O mundo não começa com nossa existência e nada mais branco que desprezar a ancestralidade.

Emicida mostrou como se constrói um olhar preto sobre a realidade.


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