As últimas semanas trouxeram fatos importantes para refletirmos sobre os limites de se pensar os movimentos contra discriminações no viés identitário. Stuart Hall, na obra “A identidade cultural na pós modernidade” defende a ideia de que identidade é uma narrativa – portanto uma construção social e, acrescento, política. O grande problema da visão identitarista é que ela se baseia em uma concepção essencialista das identidades.
Vamos aos fatos.
- No dia 11 de fevereiro, Hans River depôs na CPI do Congresso Nacional que investiga as Fake News que a jornalista Patrícia Campos Melo, da Folha de S. Paulo, que fez uma série de reportagens investigativas sobre as redes de disseminação de fake news, insinuou-se sexualmente a ele, o que gerou revolta nos meios jornalísticos. O jornal Folha de S. Paulo publicou a íntegra das mensagens trocadas por whatsapp entre a jornalista e Hans, desmentindo o que ele disse na CPI. Bolsonaristas chamam os que criticaram Hans River de “racistas”.
- No dia 18 de fevereiro, o presidente Bolsonaro reforça o ataque à jornalista, dizendo que ela “queria dar o furo”, o que gerou inúmeras manifestações de várias entidades representativas de jornalistas e dos movimentos sociais, em.especial feministas, contra a declaração machista.
- No dia 20 de fevereiro, mais uma do presidente. Referindo-se ao deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ) disse que o parlamentar era negro porque sua gestação foi de dez meses, assim “passou do ponto”. Se fosse uma gestação de nove meses, seria da cor dele (do presidente).
Temos nestes fatos um homem negro, Hans River, que se aproveita do estereótipo do homem negro viril, “comedor”, para legitimar sua fala de que uma mulher branca “naturalmente” se insinuaria sexualmente a ele. Daí foi o ponto de partida do machismo dele e de Bolsonaro e seguidores de que, “naturalmente”, uma mulher só consegue o que quer “dando o furo” – novamente reforçando o estigma racista de que homem negro é um objeto de desejo sexual da mulher branca.
Outro homem negro, Hélio Lopes, se adequa ao grupo bolsonarista como um “bobo da corte” que pode ser vítima de uma fala preconceituosa de que “passou do ponto”.
O que sustentou toda esta rede de falas preconceituosas, racistas e machistas são padrões de identidade construídos pela branquitude que foram assumidos por dois homens negros em troca de ocupar espaços no poder bolsonarista, inclusive reproduzindo narrativas machistas como foi o caso da agressão à jornalista da Folha de S. Paulo.
O pior é que são falas que se popularizam porque infelizmente ainda são comuns em algumas rodas de conversa do cotidiano. Por isto que quando se criticam determinadas “piadas” ou “brincadeiras” não é “patrulha ideológica do politicamente correto” como dizem alguns. A medida que tais falas vão se naturalizando criam-se contextos favoráveis a ações deste tipo. Tenho certeza que muita gente deu risada destes absurdos do Bolsonaro. Mas isto não tem graça, porque é com base nisto que negros e negras, mulheres, LGBTs são agredidos e até assassinados por policiais, homens, heterossexuais e afins. Por isto que pessoas negras e mulheres ganham menos.
E o fato de termos nestes episódios dois homens negros que se adequam a esta perspectiva identitária mostra que quando se combate o racismo, o machismo e a LGBTfobia não é identitarismo, mas sim defesa da equidade e igualdade de direitos. As identidades que os movimentos sociais buscam é uma construção social e política que passam bem distante do que são Hans River, Hélio Lopes, Damares, entre outros.
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